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PLURAL: os textos de Neila Baldi e Noemy Bastos Aramburú

Carta a...
Neila Baldi 
Professora universitária

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"Preciso reconstruir a história do nosso amor para apreender todo o seu significado. Ela foi o que permitiu que nos tornássemos o que somos", escreve André Gorz, em Carta a D., em homenagem à sua companheira por mais de 70 anos, Dorine.

Como em Carta a D., reconstituo a história do nosso amor e penso nos caminhos e descaminhos que nos últimos 25 anos me levaram para longe demais das capitais e me trouxeram pra cá. Escrevo ouvindo Fito Paez e seu "El amor después del amor". Penso, ao reconstituir a história do nosso amor, em todos os amores que vivi e nas pessoas que amo. Penso naqueles e naquelas que, nos últimos 15 meses, perderam seus seres amados e percebo o quanto sou privilegiada. Por que eu teria a sorte, no meu país, que outras quase 500 mil famílias não tiveram?

ESCOLHAS

Penso que não é só uma questão de se expor ou não. É uma questão de negligência, de quem deveria garantir a saúde do seu povo. É uma questão de escolhas: optou-se por conviver com o vírus, não frear a contaminação e negar a vacina.

Tem gente que se expôs por negacionismo. Mas tem quem não pôde parar, que se expôs porque não tinha recursos, que pegou ônibus lotado, que usou máscara pouco protetora. A desigualdade social se escancarou na pandemia e o Estado brasileiro não protegeu.

Tento imaginar a dor da perda. Nos meus 45 anos, só tive uma. Eu ia para o Rio Grande do Sul a trabalho, para a Expointer. Lembro do telefone tocando, da notícia e do meu choro. Não deu tempo. A chuva que cai lá fora me lembra desse choro e eu me coloco no lugar das quase 500 mil famílias que viram seus familiares serem hospitalizados, que não se despediram. Talvez, entre as grandes dores esteja a da não despedida.

NÃO POSSO IMAGINAR

Volto a reconstituir a história do nosso amor, do nosso privilégio porque podemos viver o amor e estamos nós e nossos amores protegidos. Penso no tanto de gente que morreu sem vacina, porque não chegou a tempo. Porque a vacina foi negada. Porque o senhor da casa de vidro negou a Pfizer, a Coronavac. E volto a uma coluna anterior: quem vai ter que morrer neste país para que alguma coisa seja feita?

Retomo André Gorz, que escreveu para a sua Dorine: "Eu não posso me imaginar escrevendo se você não mais existir. Você é o essencial sem o qual todo o resto, importante apenas porque você existe, perderá o sentido e a importância." Eu consigo escrever porque meus amores e 'amoras' estão comigo. Porque sou privilegiada em um país desigual e desgovernado. E termino esperançosa, apesar de tudo, ouvindo Fito Paez e Pablo Milanés: "Yo vengo a ofrecer mi corazón."

Duas bocas e um ouvido

Noemy Bastos Aramburú
Advogada, administradora judicial, palestrante e doutora

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Quem atualizou o WhatsApp recentemente, percebeu que é possível com a atualização do mensageiro, aumentar a velocidade de mensagens de voz para ouvir o conteúdo em até metade do tempo. Neste momento, pensei como esta novidade seria recebida no Mosteiro Beneditino pelo Monge Simeão!? Acredito que ele diria a John Daily que o verdadeiro líder é aquele que escuta a fala de seus colaboradores, dando a atenção devida, inclusive nas mensagens recebidas via WhatsApp, sem acelerar o áudio, para evitar entendimentos equivocados e poder assimilar melhor a fala. 

E o que diria o físico Carlo Rovelli, atualmente conhecido como "novo Stephen Hawking"? Por ser o defensor da teoria de que o "Tempo Não Existe", acredito que, baseado no que defende: que "o dia mais curto registrado 05 de julho de 2005, quando a rotação da Terra levou 1,0516 milissegundos a menos, foi batido no ano passado, no dia 19 de julho de 2020, quando a Terra levou 1,4602 milissegundos a menos, e que, de acordo com os cálculos atuais a tendência é a de ser abatido este ano, os dias devem seguir a tendência, e continuar sendo mais rápidos que o normal, em média 0,05 ms menor que o normal, logo, este ano de 2021 será o mais curto em décadas", defenderia o uso acelerado dos áudios do WhatsApp. 

Independentemente da definição que cada pessoa venha atribuir a esta função de acelerar os áudios das conversas de via WhatsApp, o que não se pode negar é que as pessoas estão sem paciência para ouvir filhos, pais, amigos, alunos, enfim, o ser humano não quer mais ouvir seus pares. É lamentável constatarmos que o celular está sendo utilizado para substituir conversa entre pais e seus pequenos no restaurante, aliás, não se estamos falando em almoço de negócio, mas, de um momento de lazer da família. O que assusta é a rapidez da vida, parece que estamos num "globo da morte" como os motociclistas, correndo um atrás do outro, porém sem sair do ciclo, limitados pelo globo. 

É bem verdade que a vida, há 40 anos, não tinha as facilidades que tem hoje, mas também é bem verdade que perdemos muita qualidade de vida, entre elas está a liberdade de viver fora do globo, basta pensar: podemos sair à rua às 22h para pegar um sorvete no Mac? Não, pois fecha às 22h. Podemos ir até a padaria às 7h para pegar um pão quentinho? Não, pois neste horário dependendo do lugar, é perigoso. Podemos deixar o carro estacionado à noite em frente a um restaurante sem dar "gorjeta" ao flanelinha? Não, pois corremos o risco de achar o carro arranhado. 

Mas tudo isso não nos afeta tanto quanto a perda do direito de falar e de ser ouvido, mas é exatamente isso que estamos vivendo e vendo, a ponto de ser criado um recurso para acelerar a fala enviada pelo WhatsApp. Lamentável que o ser humano não tenha mais paciência para ouvir os outros, pois a muito tempo já parou de se ouvir, pois se assim não tivesse feito, o mundo não estaria assim. Não devemos esquecer: temos uma boca apenas, e dois ouvidos. 

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